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sexta-feira, 16 de dezembro de 2005
Previsão de Instabilidade - Revista StudioBox

Durante grande parte da minha infância vivi em um bairro tranqüilo. Nada acontecia de diferente e a calmaria era um fardo para a molecada que esperava inquieta por alguma ação. Existiam três fatores capazes de transformar a rotina do bairro: a quermesse, a queima de Judas e as crises de mau humor da Valquíria.
Dependendo da forma como Valquíria colocava o saco de lixo no poste era possível predizer o desenrolar do dia. Nos dias em que ela arremessava o lixo da porta de entrada a vizinhança se agitava. Ela saía para a padaria resmungando, infernizava o padeiro sobre o coeficiente de bromato no pão francês, não antes de inferir sua sincera opinião sobre o nível de limpeza do estabelecimento. Na volta para casa sobrava para todo mundo, gari, jornaleiro, farmacêutico e nem mesmo os porteiros dos edifícios eram preservados. Após o passeio matinal ela se enclausurava até o dia seguinte, quando a rua inteira esperaria ansiosa para ver de que forma Valquíria colocaria o lixo na rua.
Para um menino curioso esse era um evento interessante de assistir, porém anos mais tarde tive a infelicidade de descobrir que aquele estado de espírito incidia também em minhas namoradas, com quem eu passava longas manhãs, tardes e noites.
É válido ressaltar que mulher mal humorada é diferente de mulher mal comida, porque essa, uma vez que encontre sua metade da laranja ou o detentor do palmito de ouro, passará a sorrir e assobiar todas as manhãs, porém a mulher que sofre de mau humor não tem cura, há fases de normalidade, mas está sempre sujeita a uma instabilidade no período.
De tempos em tempos, variando de acordo com a lua, o movimento das marés, o impiedoso estrógeno e o aquecimento das calotas polares, ela resolve ficar de mau humor e aí meu companheiro, não adianta flores, elogios, serpentinas ou cafuné. Ela irá, queira você ou não, exteriorizar seus mais profundos sentimentos com relação ao mundo.
Homens de mau humor também são indigestos, mas geralmente se limitam a destruir suas próprias vidas. Enchem a cara, mordem a língua e vão dormir sozinhos. Passam quase desapercebidos. A mulher jamais ficaria satisfeita em afundar-se em sua própria angustia, ela precisa de platéia. Em sua sedenta busca por vítimas, ela quer o farmacêutico, o cabeleireiro, o gerente do banco e claro, você de coadjuvante.
Algum atinado meteorologista sacou daí a idéia de nomear os furacões com nomes de mulheres. Jeanne, Arlene, Emily, Katrina, Ofélia, Rita e agora Wilma. Um destes turbilhões rodou toda a costa do Caribe, desfilou por Havana, entrou em Cancun e só se acalmou após arrasar um shopping inteiro e uma loja de chocolates Godiva. E o pessoal da CNN ainda tem a ingenuidade de dizer que a rota de um furacão é imprevisível.

texto publicado na 1ª edição dez/jan 05 da revista STUDIOBOX.
Bianca e Maycow - Sucesso em doses cavalares para vocês!
por Murillo @ 12:56 AM  
1 tomates:
  • Às 1:51 PM, Anonymous Anônimo arremessou…

    Tem de enviar uns textos para a revista portuguesa

    geral@studiobox.pt


    www.revistastudiobox.com

     
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