Aproveitei minha infância intensamente. O grande lance daquela época era a liberdade para fazer o que se queria. Aquela falta de compromisso com o mundo que você dificilmente encontrará novamente. Inexistia o depois, as conseqüências dos atos, tudo era visceral e sincero. Achou inapropriado o comentário do coleginha (!?), soco na boca dele. Pescotapa era o meu preferido, mas tinha também a paulistinha, cascudo e a sardinha, que era o ato de tangenciar a bunda do colega com as pontas do dedo em alta velocidade em um movimento quase esférico – eu disse tangenciar em alta velocidade. Você não vai ter que jogar bolinha de gude com alguém que não lhe cai bem, você simplesmente arrebenta o supercílio do infeliz, chuta ele para fora da quadra, e começa o jogo. Em alguns breves momentos de contato com o sexo oposto, você percebe que as garotas não estão habituadas com esse seu estilo Neanderthal de encarar a vida. É uma questão de hábitos, elas cresceram colecionando figurinhas do "Amar É...", meias do Snoopy, canetas coloridas de gel e bonequinhas Hello Kitty, enquanto sua infância foi muito menos cor-de-rosa disputando braço de ferro, nego fugido, tico-tico fuzilado e o consagrado malha, espécie de jogo de futebol, mas sem trave, time, gol ou juiz. O único objetivo é passar a bola por baixo das pernas da vítima, quando então, agredimos o individuo até que ele alcance o “pliques”, posicionado a uns 300 metros do local do jogo.
Um belo dia você percebe que aquela menina, antes desprovida de atrativos, é infinitamente mais interessante do que alguém que usa kichute e é capaz de arrotar o hino da bandeira. Então você se desvencilha dos peludos com os quais cresceu e começa a namorar. Exatamente nesse ponto, surge um abismo entre vocês dois. Logo no primeiro sábado você é convidado a assistir a estréia de Simplesmente Amor no cinema, quando toda a galera está se reunindo para ver Warriors - Os Selvagens Da Noite. No domingo vocês participam juntos de uma palestra com o tema: “Fadas e Duendes, a Magia no Ar”, enquanto simultaneamente rola na cidade o show Massacration e Cannibal Corpse. Na segunda-feira de manhã, de saco cheio, você começa a questionar a relação, mas graças aos seus hormônios você decide permanecer no relacionamento, rumo ao embate.
Após anos de adestramento e condicionamento já somos capazes de sentar à mesa, fazer um comentário inteligente e até mesmo participar de uma discussão sem necessitar do uso da força. Contudo, ainda nos sentimos incompletos. Não somos a favor do uso da força de forma indiscriminada, mas há situações que um sonoro peteleco na orelha é mais eficiente e eficaz que uma discussão sem sentido. Você chega a pensar se tudo aquilo que aprendeu quando guri não tem valor, todos aqueles ensinamentos dos amigos, as relações de poder e força, o uso da voadora no peito como o caminho à persuasão, será que foi tudo em vão? Por que será que eu tive que suprimir minhas tradições infanto-juvenis perante o mundo civilizado? Quem determinou esses padrões? O fato de `Pedala Robinho` ser uma mania nacional, inclusive entre as mulheres, pode não ser a solução, mas temos aí uma ponta de esperança.
Incrível como você me fêz voltar a minha própria infância, com algumas diferenças, é claro, pois sou de uma geração ou algumas gerações anteriores a você. E, cada geração tem seu modo de viver e encarar o mundo. Tirando as porradas, que vem desde o Neanderthal como você escreveu, o jôgo de bolinhas de gude, oresto foi um tanto diferente; houve o colecionar figurinhas, o jôgo de abafa, o troca-troca, a punheta coletiva; mas, principalmente, a solidariedade, íamos pra lagoa nadar, ninguéem comia ninguém, havia um respeito amigo. Éramos e víviamos num bairro proletário, depois cada um cuidou de sua vida como pôde, muitos já faleceram, pelas drogas, alguns foram presos, poucos estudaram. E ainda somos os mesmos e vivemos... como os nossos pais,,, Lindo texto, Murillo. Saudades. abraços.
Incrível como você me fêz voltar a minha própria infância, com algumas diferenças, é claro, pois sou de uma geração ou algumas gerações anteriores a você. E, cada geração tem seu modo de viver e encarar o mundo. Tirando as porradas, que vem desde o Neanderthal como você escreveu, o jôgo de bolinhas de gude, oresto foi um tanto diferente; houve o colecionar figurinhas, o jôgo de abafa, o troca-troca, a punheta coletiva; mas, principalmente, a solidariedade, íamos pra lagoa nadar, ninguéem comia ninguém, havia um respeito amigo. Éramos e víviamos num bairro proletário, depois cada um cuidou de sua vida como pôde, muitos já faleceram, pelas drogas, alguns foram presos, poucos estudaram. E ainda somos os mesmos e vivemos... como os nossos pais,,, Lindo texto, Murillo. Saudades.
abraços.